No município de Cocal, a igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama desafia o tempo e os historiadores. Com uma referência na sua fachada, o ano de 1616, ela seria uma das provas da prioridade do Norte no povoamento do Piauí, tese defendida pelo padre Cláudio Melo. Tem o estilo jesuítico do início da colonização portuguesa e, pelo que sabemos até os dias atuais, nenhum documento do referido templo foi encontrado, o que gera muita especulação, mas não dedicados pesquisadores. À época, as terras eclesiásticas do Piauí pertenciam à Prelazia de Pernambuco que agregava as capitanias de Itamaracá até a do Maranhão, e aí estavam as terras do Piauí.

Igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama em Cocal, Norte do Piauí. Sua fachada é composta por porta única com duas janelas à altura do coro, frontão triangular com óculo central não vazado e dois pináculos de baliza, elementos da arquitetura jesuítica dos séculos XVI e XVII na América Portuguesa (Foto: Ailton Ponte)
Embora a História do Brasil destaque o trabalho dos jesuítas, em Pernambuco, no ano de 1585, foi fundada a Custódia Franciscana de Santo Antônio com sede em Olinda. Os padres franciscanos foram os primeiros a pisar na Terra de Santa Cruz acompanhando Cabral, rezaram a primeira missa e fizeram destacado trabalho entre os índios. Inúmeras levas de franciscanos chegaram à nova colônia portuguesa e vieram para estabelecer os pilares do Cristianismo. Desde o século XVI, construíram igrejas e casas comunais para os padres em regiões isoladas, para promover a conversão dos indígenas. Erguiam escola e como revelou o Frei Vicente do Salvador, os objetivos eram o ensino dos princípios religiosos. Mas essa história do século XVI, como a da igreja de Frecheira, conta com o silêncio nas fontes, lembrando que, neste período, Portugal estava sob o domínio da Espanha com a formação da União Ibérica, fato que também faz sombra para os pesquisadores.

Igreja de São Cosme e São Damião, em Igarassu/Pernambuco. Considerada o mais antigo templo católico do Brasil, foi construída depois da vitória dos portugueses sobre os índios caetés, em 1535. Tem o mesmo estilo maneirista das igrejas de Tejucupapo e Cocal, com nave também idêntica
Uma das hipóteses sobre a datação da igreja de Frecheira caiu por terra para aqueles que afirmam ser o referido templo construído no início do século XX, hipótese facilmente refutada, pois se assim fosse, também facilmente seus documentos eclesiásticos seriam encontrados. No litoral do Piauí, ainda resiste a capela de N S de Monteserrathe da Parnahiba datada de 1711, e seus documentos estão sob a guarda do Arquivo Público do Maranhão, originais do Bispado desta capitania a qual o Piauí era então ligado.

Sino sem referências da Igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama (Foto: Ailton Ponte)
Com a invasão holandesa, a Nova Holanda se estendeu de Pernambuco até às terras do Maranhão. Com as igrejas católicas desprezadas pelos flamengos que eram reformados calvinistas, a Sé de Olinda chegou a ser usada como estábulo, e em Igarassu, a igreja de São Cosme e São Damião foi depredada. Neste contexto, igrejas perderam a sua função de templo católico, como as de Frecheira da Lama e São Lourenço de Tejucupapo.  Nesta localidade, ocorreu o famoso episódio das Mulheres de Tejucupapo, na luta para expulsar os holandeses da região. Mas como o Piauí ainda era terra no início de seu povoamento, e com o hiato católico provocado pelos holandeses, a ligação original da igreja de N S do Rosário com a sua Prelazia ou Bispado se perdeu no tempo, tornando-se difícil a localização de seus registros.

Altar-mor de N S do Rosário de Frecheira da Lama (Foto: Antônio Rodrigues Ribeiro) 
A festa de N S do Rosário foi instituída em 1572, pelo Papa Pio V, sob o nome de N S da Vitória, em comemoração a superação dos católicos sobre o Império Otomano, na Batalha de Lepanto. Um ano depois, o Papa Gregório XIII mudou o título da comemoração para Festa do Santo Rosário. É neste contexto histórico, quando começa a devoção à Santa de Frecheira. 

Igreja de São Lourenço de Tejucupapo em Goiana – Pernambuco tem indícios que remonta a meados do século XVI. Como a igreja de Frecheira, também não tem definição da data de sua construção, mas comprovadamente já existia em 1630 
O redator do jornal Nortista Francisco de Moraes Correia, na edição de 12 de outubro de 1901, dá notícia sobre um grupo de devotos que saiu a cavalo de Parnaíba, para assistir aos festejos religiosos de Frecheira, na igreja de N S do Rosário, sepultando a tese dos que defendem a sua construção no século que se passou. Na época, Frecheira era termo da cidade de Parnaíba e a Freguesia de N S da Graça tinha como pároco Joaquim Leal, padre que rezou as novenas e fez avultado número de batizados e casamentos durante as celebrações. Na comitiva de Parnaíba: Francisco de Moraes Correia, cel. Jonas de Moraes Correia, Luiz Antônio de Moraes Correia (cel. Lucas), José da Silva Alves Ramos Filho, e o capitão Aureliano Mendes Frazão, todos recepcionados pelo cel. Ignacio Luiz de Almeida, Domingos Machado, Gonçalo Nery e Bernardo Falcão. 


A Festa de Frecheiras

Frontispício da Igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama com datação de 1616 (Foto: Ailton Ponte) 
Ainda sentimos a grata emoção que experimentamos nos quatro dias passados em Frecheiras, assistindo à imponente festa em homenagem à N S do Rosário, excelsa padroeira desse ameno e aprazível lugar, uma das povoações do termo da Parnahyba. Seriam 8 horas da manhã de sábado, 5 do corrente, quando a comitiva parnahybana, composta dos coronéis Luiz Antônio de Moraes Correia, Jonas de Moraes Correia e José da Silva Ramos Filho, capitão Aureliano Mendes Frazão e da qual também fazíamos parte, apeava-se em Frecheiras, onde fidalga recepção a aguardava. O distinto coronel Ignacio Luiz de Almeida, como em todos os anos tem sempre a sua casa preparada para o grande número de amigos que vão gozar dos encantos de uma festa considerada a primeira no termo da Parnahyba. [...]

Crucifixo no frontão triangular da Igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama (Foto: Ailton Ponte)
Depois de almoço com variados pratos e generosos vinhos de diferentes marcas e ligeiro repouso dirigimo-nos para o banho do Olho d’água fervente, uma das maravilhas de Frecheiras, geralmente admirada pelas pessoas que por ali passam. De volta admiramos o sítio com todas as suas plantações, dentre as quais notavam-se os buritizeiros, lindas e frondosas palmeiras que se levam de um grande tremedal feito e mantido pelas águas que se escoam do decantado Olho d’água. [...] à noite fizemos a visita à capela, pequena igreja colocada numa linda e vasta planície, por onde a vista se alonga numa extensão de mais de um quilômetro. De construção sólida, sendo sustentada por paredes de espessura de um metro, o gracioso templo a que nos referimos, tem toda solidez precisa. Compõe-se de duas sacristias, de um coro de madeiras bem escolhidas, firmado por duas colunas de pedra e cal, e de um altar-mor em cujo centro nota-se o santuário da milagrosa N S do Rosário. De um dos cimos da capela pende um sino de tamanho regular, e no frontispício da mesma eleva-se uma pequena cruz apontando para o céu… 

Nave da Igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama com altar-mor ao fundo e no primeiro plano guarda-corpo do coro (Foto: Ailton Ponte) 
No final, o redator do Nortista registrou eterno reconhecimento e imperecível gratidão ao cel. Ignacio Luiz de Almeida e à sua digníssima família, por todas as atenções que tão espontaneamente foram a todos dispensadas. 

O sítio histórico de altaneiros buritizeiros e açaizeiros aonde se encontra a igreja de N S do Rosário de Frecheira da Lama tem uma beleza surpreendente. No ano de 2015, enquanto o Nordeste brasileiro padecia de uma seca impiedosa que já durava cinco anos, em Frecheira da Lama a água pura jorrava de seus olhos-d’água como por um milagre. O Piauí precisa o mais urgente possível descobrir esta joia encravada numa das mais espetaculares florestas verdes em pleno sertão nordestino. 



Via: Portal Costa Norte