Após 10 anos, só 10% dos atingidos pelo rompimento de Algodões retomaram atividades

Barragem Algodões rompeu no dia 27 de maio de 2009 matando nove pessoas. — Foto: Francisco Gilásio
Apenas 10% das cerca de 2 mil famílias atingidas pelo rompimento da barragem Algodões, tragédia que completa 10 anos nesta segunda-feira (27), conseguiram retomar as atividades que eram realizadas na região do Vale do Piranji antes do incidente. Com o rompimento, nove pessoas morreram e pelo menos 4 mil foram afetadas de alguma forma.


A informação é do secretário de agricultura da cidade, Alexandre Almeida, que também morava na região atingida e teve grandes perdas com o rompimento. Ele diz que são vários os motivos que impediram que as vítimas voltassem às vidas de antes. A maioria atuava na agricultura, pesca e pecuária. O impacto ambiental no lugar, e psicológico nos moradores, impede a retomada dos trabalhos.





Segundo o secretário, aqueles que não tiveram suas terras totalmente devastadas pela água, ficaram profundamente abalados psicologicamente. Além disso, a destruição ambiental não permite mais que todos exerçam suas atividades que estavam diretamente ligadas ao solo e à água da região.

“Não tem mais a água do rio, no lugar dos tanques de peixes que existiam lá, hoje, dez anos depois, tem uma lâmina d´água de apenas 20 cm de profundidade e o leito do rio está espalhado em mais de 200 metros de largura, os peixes não conseguem mais fazer a piracema. Não tem como voltar ao que era”, explica.


Segundo a ABAVA, cerca de 2 mil famílias tiveram suas vidas afetadas de alguma forma pela tragédia, desde a morte de nove pessoas diretamente, até a perda de pequenas áreas de roça ou a destruição completa de imóveis, vários hectares de terras plantadas, centenas de cabeças de gado e documentos de valores inestimáveis.


Destas 2 mil, pelo menos 1,2 mil famílias estiveram aptas a receber algum tipo de indenização e 900 foram de fato indenizadas. Tudo foi acordado judicialmente e o valor valor total de R$ 60 milhões terminará de ser paga pelo governo do estado do Piauí em novembro deste ano. Apesar de atrasos pontuais, a Associação das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Algodões (Avaba) afirma que o acordo tem sido cumprido rigorosamente.


O presidente diz que, apesar disso, o valor poderia ter sido pago há muito tempo, logo que o governo federal liberou uma boa quantia em dinheiro para o socorro imediato das famílias e para a construção de casas. Segundo ele, o dinheiro gasto na construção das residências, segundo estudo realizado a pedido da Diocese da cidade, foi de R$ 10 milhões. Ao todo, foram destinados R$ 80 milhões para este fim.

Agrovila no assentamento Jacaré, construída após rompimento da barragem Algodões. — Foto: Fernando Cardoso/TV Clube
Algumas das pessoas afetadas desistiram dos processos indenizatórios por contra própria, conforme Corcino Medeiros, presidente da associação. Ao todo, foram construídas cerca de 600 residências, grande parte nas chamadas Agrovilas, conjuntos habitacionais onde foram morar as vítimas.

Contudo, mesmo nesses espaços, não foi possível retomar totalmente as atividades porque até agora a barragem continua praticamente igual há 10 anos. Apenas a própria força da natureza agiu na estrutura e no rastro de destruição deixado pelos 52 milhões de metros cúbicos de água que se lançaram sobre o Vale do Piranji.

Nova Algodões: obra licitada há cinco anos

A solução seria a construção de um novo açude, mas até agora o projeto da barragem Nova Algodões teve apenas 3% de seu total executado – o que corresponde apenas ao canteiro de obras e ao acesso até esse espaço.

O projeto já foi aprovado pelo governo federal, está orçado em R$ 140 milhões, e com empresas já licitadas, Hidros e construtora Jurema, que em 2014 formaram o consórcio Piranji.

O diretor do Instituto de Desenvolvimento do Piauí (Idepi), Leonardo Sobral, declarou que a crise política e econômica que desde 2015 atinge o país tem grande influência no atraso do seguimento da obra. Mesmo assim, segundo ele, ainda este ano a obra deve ser retomada. A partir do início, o prazo para conclusão é de 24 meses.

“A barragem Nova Algodões será construída a cerca de 1 km do local onde ficava a construção anterior, com capacidade para 50 milhões de metros cúbicos e com um equipamento ultramoderno de concreto compactado, ela toda será de concreto, sendo que antes era feita com material de solo”, explicou.

O projeto, segundo o diretor do Instituto, não contempla a construção da nova calha do rio. Isso seria importante para que o rio Piranji voltasse a correr pelo leito onde corria anteriormente e que foi completamente soterrado com o rompimento. Corcino Medeiros, presidente da associação das vítimas, diz que seriam necessários pelo menos 40 quilômetros de “reconstrução” do rio, distância que ele leva para voltar a correr normalmente.

A nova obra já tem projeto aprovado, segundo Sobral, pelo Ministério do Desenvolvimento Regional por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e agora falta apenas a liberação de recursos.

“Sem o rio, não tem o que fazer”

Corcino Medeiros, hoje com 88 anos, era professor universitário em Brasília (DF), quando conheceu sua atual esposa, que é piauiense, e decidiu, em 2004, mudar-se para o Piauí.

“Vim conhecer [a cidade de Cocal], gostei, e o que me atraiu foi o rio [Piranji]. Sou mineiro, mas do semiárido, estava acostumado com a seca, conhecia a importância da água. Comprei as terras exatamente no Vale do Piranji e o próprio rio levou tudo de volta”, conta ele, que hoje ri da triste ironia da situação.

Em 2009, Corsino tinha mais de 300 cabeças de gado e quase uma centena de hectares de terras, grande parte plantada e onde já vendia banana, mamão e macaxeira e pretendia também produzir comercialmente ata e laranja. Naquele período, ele tinha muitos planos. Hoje, sem o rio e sem a barragem, ele já quer se desfazer da propriedade onde, “de teimoso”, como diz, reconstruiu tudo exatamente igual.


“Construí a mesma casa, no mesmo lugar, na mesma planta, de teimoso. Mas não pude construir o resto porque era tudo irrigado com água do rio. O meu projeto de vida anterior era produzir horti-fruti e animais de pequeno porte, mas não pude retornar, abandonei a criação”, lamenta.

Ele explica que era a barragem que tornava o rio Piranji um rio perene, já que ele é naturalmente intermitente: na época da estiagem, some. Além disso, com o rompimento, o leito do rio foi completamente destruído. Então mesmo quando há de chuva a água não corre no leito, mas se espalha e causa enchentes, destruindo tudo novamente.

“Na chuva, enche demais, alaga tudo, é prejuízo de novo. Quando vem a seca, o rio some. Precisamos da nova barragem e que seja refeito pelo menos 40 km do canal do rio. Porque hoje, quando chove, a água esparrama para todo lado, as plantações apodrecem, tudo acaba. E quando acaba a chuva, não tem água. Como a área é de pequenos produtores, uma enchente dessas toma toda a área das pessoas. Essa nova barragem é indispensável. Mas isso continua até hoje em razão do desinteresse do estado”, diz Corsino.

Diante da situação, Corcino diz que os planos que tinha, de ser um produtor de horti-fruti e gado caprino e ovino, foram levados Piranji abaixo. Ele diz que agora busca uma família que queira morar no local, porque pretende vender a propriedade, incluindo as cabeças de gado e toda a mobília da residência.


A força da resistência

Observando do alto a enorme fenda na parede da barragem Algodões, por onde toda a água acumulada do rio Piranji jorrou há 10 anos, é possível ver no chão uma trilha discreta de finos canos de PVC que percorrem 3 km até a casa de José Honório Alves Neto.

O agricultor conta que o trabalho todo foi feito manualmente como forma de garantir água do rio para sua pequena propriedade, que foi reconstruída após a tragédia.

A casa e quase tudo que tinha foi levado pela água, mas ele e a família ficaram à salvo porque fugiram antes do açude romper. Ele diz que tenta resistir, apesar de todos os prejuízos causados pela tragédia e pelas consequências que tornaram tudo ainda mais difícil.

“A gente saiu já sabendo que ali ia estourar, né? Morava eu, a minha mulher e cinco ‘menino’: sete pessoas. A gente tinha um tubo que jogava água pra lá, trabalhava o verão todinho, com plantio, tinha irrigação que jogava água pra lá. Hoje, a minha água é daí [do rio], encanei daí, são três mil metros de canos”, conta ele.

Foi a solução encontrada para manter a plantação, já que quando a chuva vai embora, não existe mais rio.

Prejuízo ambiental é irrecuperável

Além de secretário de agricultura da cidade, Alexandre Almeida é também proprietário de uma propriedade no Vale do Piranji, que foi afetada com o rompimento. Na época, ela ainda não era sua, era apenas alugada, mas hoje ele é dono do lugar.

Ele calcula que entre prejuízos e gastos para tentar apenas recuperar o solo da propriedade, cerca de R$ 80 mil já devem ter sido investidos. Um dos grandes problemas, além da falta da água do rio, é que a enxurrada trouxe também muita areia para o lugar onde havia terra rica e fertilizada. O solo arenoso, pobre em nutrientes, dificulta o cultivo de qualquer cultura. Mesmo com todo o investimento, segundo ele, ele estima que atualmente, 10 anos após o desastre, a terra só conseguiu recuperar cerca de 60% das propriedades para cultivo que existiam antes do rompimento da barragem.

Um outro problema, segundo ele, foi a mudança no relevo do solo das terras dos agricultores, incluindo as suas. Há acúmulos de areia e pedra que impedem o nivelamento e impedem que os tratores circulem com facilidade.

Já a criação de peixes, muito comum nos assentamentos, deixou de existir completamente. A pequena profundidade do rio impede a permanência dos animais, porque com uma lâmina d’água tão rasa acaba esquentando excessivamente sob o intenso calor do sol. Assim, ou os animais morrem ou não conseguem subir o leito do rio para realizar a piracema, fenômeno em que fazem a postura dos ovos, para reproduzir.

O secretário de meio ambiente diz ainda que um outro grande problema foi o desmatamento causado pelo grande volume de água que correu rapidamente pelo leito do rio. Segundo ele, estava previsto um projeto chamado “Um milhão de mudas”, que previa a distribuição de mudas e sementes entre os moradores da região para promover o replantio de espécies nativas.

“Mas isso era um projeto que era uma parceria do município com a Semar, que nunca mais deu um posicionamento sobre isso. Realmente a respeito dessa situação e de outros problemas, nada tem sido feito”, declarou.

Fonte: G1-PI